Em decorrência da naturalização da inferioridade social da mulher e da concepção de justiça do Estado, baseada na igualdade abstratamente concebida, torna-se possível convencer o Estado burguês a conceber e implementar políticas públicas cujo conteúdo se define pela discriminação positiva de mulheres, embora isso aparentemente seja paradoxal.
SAFFIOTI, H.; ALMEIDA, S. S. Violência de gênero, poder e impotência. Rio de Janeiro: Revinter, 1995 (adaptado).
No contexto atual, qual medida atende ao tipo de política pública abordada no texto?
A) Ampliação do sufrágio universal.
B) Diminuição da jornada de trabalho.
C) Extinção do crime de feminicídio.
D) Redução da licença-maternidade.
E) Criação de delegacia especializada.
✍ Resolução Em Texto
- Matérias Necessárias para a Solução da Questão:
- Sociologia (Estudos de Gênero, Desigualdade Social)
- Filosofia Política (Teoria da Justiça, Igualdade Formal vs. Igualdade Material)
- Direito Constitucional (Ações Afirmativas)
- Interpretação de Texto
- Tema/Objetivo Geral: Compreender o conceito de “discriminação positiva” (ou ação afirmativa) e identificar um exemplo concreto de sua aplicação em políticas públicas voltadas para mulheres.
- Nível da Questão: Difícil.
- A questão é conceitualmente exigente. Ela demanda a compreensão de um paradoxo: como uma medida “discriminatória” (que trata um grupo de forma diferente) pode, na verdade, promover a justiça. É preciso diferenciar a “igualdade abstrata” (tratar todos da mesma forma) da “igualdade material” (tratar os desiguais de forma desigual para corrigir a desigualdade).
- Gabarito: E
- A criação de uma delegacia especializada para mulheres é o exemplo perfeito de “discriminação positiva”: reconhece que, devido a uma desigualdade social histórica (a violência de gênero), as mulheres necessitam de um tratamento estatal diferenciado e especializado para que seu acesso à justiça seja efetivamente igual ao dos homens.
PASSO 1 – O QUE A QUESTÃO QUER? (O MAPA DA MINA)
Decodificação do Objetivo: Em bom português, a missão é: “O texto fala de ‘discriminação positiva’, que é criar leis ou serviços específicos para mulheres para corrigir uma injustiça histórica. Qual das cinco opções é um exemplo real desse tipo de política pública hoje em dia?”
Simplificação Radical (A Analogia Central): Imagine uma corrida onde um dos competidores (mulheres) foi forçado a começar 100 metros atrás da linha de largada por séculos. A “igualdade abstrata” seria simplesmente dizer: “Ok, a partir de agora, todos podem correr livremente”. Isso ignora a desvantagem inicial. A “discriminação positiva” é o juiz da corrida que dá a esse competidor uma vantagem compensatória — como permitir que ele pegue um atalho ou use um tênis especial (a política pública) — para que ele tenha uma chance real de competir em pé de igualdade. A questão nos pede para identificar qual das cinco opções é esse “tênis especial”.
Plano de Ataque (O Roteiro da Investigação):
- Decifrar o Paradoxo: Vamos primeiro entender o que é a “discriminação positiva”. Por que tratar diferente pode ser um caminho para a igualdade?
- Construir o Perfil da Política: Com base no conceito, vamos definir as características que uma política de “discriminação positiva” para mulheres deve ter.
- Analisar os Suspeitos: Vamos analisar cada uma das cinco medidas propostas.
- Identificar a Ação Afirmativa: Apontaremos a única medida que se encaixa perfeitamente no perfil que construímos.
PASSO 2 – DESVENDANDO AS FERRAMENTAS (A CAIXA DE FERRAMENTAS)
Para decifrar o paradoxo da “discriminação positiva”, a melhor ferramenta é construir o raciocínio juntos. Vamos usar um Diálogo Mentor-Aluno.
- 🕵️♂️ Mentor: “Detetive, o texto menciona uma ‘igualdade abstratamente concebida’. O que você acha que isso significa?”
- 🧠 Aluno: “Parece ser aquela ideia de que ‘a lei é igual para todos’, sem fazer distinções. Tratar todo mundo exatamente da mesma forma.”
- 🕵️♂️ Mentor: “Exato. É a igualdade formal. Agora, o texto diz que, por causa da ‘inferioridade social da mulher’, essa igualdade formal não é suficiente. Por quê?”
- 🧠 Aluno: “Porque se um grupo já está em desvantagem, tratá-lo ‘da mesma forma’ que o grupo dominante apenas mantém a desigualdade. É como colocar um peso-pena e um peso-pesado para lutar na mesma categoria.”
- 🕵️♂️ Mentor: “Brilhante! Então, para corrigir isso, o texto propõe algo que chama de ‘discriminação positiva’. Parece um paradoxo, não? Como ‘discriminar’ pode ser ‘positivo’?”
- 🧠 Aluno: “Acho que a ideia é ‘discriminar’ no sentido de ‘diferenciar’. Você cria uma regra ou política específica para o grupo em desvantagem, para tentar equilibrar o jogo. Como criar uma categoria de peso-pena na luta.”
- 🕵️♂️ Mentor: “Perfeito. Você decifrou o código. A ‘discriminação positiva’ não é sobre preconceito, é sobre estratégia. É tratar os desiguais de forma desigual para promover a igualdade de verdade. Então, a política que estamos procurando deve ter duas características: ser específica para mulheres e ter o objetivo de compensar uma desvantagem que elas enfrentam. É com esse perfil em mente que vamos analisar os suspeitos.”
PASSO 3 – INTERPRETAÇÃO GUIADA (MÃO NA MASSA)
Agora, vamos usar a nossa ferramenta para encontrar o “tênis especial” entre as alternativas. Precisamos de uma medida que:
- Seja específica para mulheres.
- Tenha como objetivo corrigir uma desigualdade histórica que as afeta de forma particular.
Vamos analisar os suspeitos:
- A) Ampliação do sufrágio universal: É uma medida para todos os cidadãos (universal). Não é específica.
- B) Diminuição da jornada de trabalho: Geralmente, é uma medida para todos os trabalhadores. Não é específica.
- C) Extinção do crime de feminicídio: “Extinguir” o crime seria remover uma proteção específica. É o oposto da discriminação positiva.
- D) Redução da licença-maternidade: Reduzir um benefício seria o oposto de uma ação afirmativa.
- E) Criação de delegacia especializada: Esta medida é específica (para mulheres, visando a violência de gênero) e busca corrigir uma desigualdade (o fato de que a violência contra a mulher tem características próprias e muitas vezes não é tratada adequadamente em delegacias comuns). É um exemplo perfeito de discriminação positiva.
🚨 ARMADILHA CLÁSSICA! 🚨
CUIDADO! O erro mais comum aqui é pensar que qualquer medida que beneficie as mulheres se encaixa. A alternativa (B), por exemplo, poderia beneficiar as mulheres, que muitas vezes têm jornada dupla. No entanto, a política de redução da jornada de trabalho, como geralmente é discutida, é universal. A chave da “discriminação positiva” é o tratamento diferenciado e focalizado como estratégia para a igualdade.
A Bússola (O Perfil do Culpado):
- Síntese do raciocínio: A investigação do conceito de “discriminação positiva” exige uma política pública que trate as mulheres de forma diferenciada para compensar uma desvantagem histórica. A delegacia especializada é o único exemplo que cumpre esse requisito.
- Expectativa: A alternativa correta deve ser a criação de delegacia especializada.
PASSO 4 – ALTERNATIVAS COMENTADAS (A AUTÓPSIA)
Vamos agora realizar a autópsia de cada alternativa, incluindo a análise solicitada sobre em qual contexto as erradas poderiam ser corretas.
- A) Ampliação do sufrágio universal.
- A “Narrativa do Erro”: O candidato lembra que a luta pelo voto feminino foi uma pauta feminista e associa com o tema.
- O “Diagnóstico do Erro”: Erro Conceitual. O sufrágio universal é, por definição, um exemplo de igualdade formal (abstrata), não de discriminação positiva. A luta foi para incluir as mulheres nesse universal, e não para criar um sistema de voto diferenciado para elas.
- Análise Contextual: Esta alternativa poderia ser vista como uma forma de discriminação positiva em um contexto histórico muito específico: se, por exemplo, em um país onde apenas homens votam, fosse criada uma cota de “votos femininos” com peso maior para compensar a exclusão passada. Mas, como “ampliação do sufrágio universal”, ela é o oposto do conceito.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- B) Diminuição da jornada de trabalho.
- A “Narrativa do Erro”: O candidato pensa na jornada dupla da mulher e vê a medida como um benefício direto.
- O “Diagnóstico do Erro”: Generalização Excessiva. A medida, como proposta universalmente, não é uma discriminação positiva. Ela não trata as mulheres de forma diferente.
- Análise Contextual: Esta alternativa seria uma discriminação positiva se a lei estipulasse uma jornada de trabalho menor apenas para mulheres, com a justificativa de compensar o tempo dedicado ao trabalho doméstico e de cuidado não remunerado.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- C) Extinção do crime de feminicídio.
- A “Narrativa do Erro”: O candidato se confunde com o comando, talvez lendo “criação” em vez de “extinção”.
- O “Diagnóstico do Erro”: Contradição Direta. A criação do tipo penal de feminicídio é um exemplo de discriminação positiva. A extinção seria a remoção dessa proteção, um retrocesso.
- Análise Contextual: Esta alternativa jamais poderia ser correta no contexto da discriminação positiva. Ela só seria “correta” na visão de quem defende uma igualdade puramente formal e abstrata, argumentando que “homicídio é homicídio” e não deveria haver distinções.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- D) Redução da licença-maternidade.
- A “Narrativa do Erro”: Confusão com o comando, lendo “ampliação” ou simplesmente não entendendo o conceito.
- O “Diagnóstico do Erro”: Contradição Direta. A licença-maternidade é uma ação afirmativa. Reduzi-la seria o oposto de promover a igualdade material.
- Análise Contextual: Esta alternativa jamais poderia ser correta no contexto da discriminação positiva. Seria uma medida que agrava a desigualdade de gênero no mercado de trabalho e no cuidado parental.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- E) Criação de delegacia especializada.
- Análise de Correspondência: Esta é a peça que se encaixa perfeitamente. É uma política pública específica para um grupo (mulheres) que visa corrigir uma desigualdade real e histórica (a natureza da violência de gênero e a dificuldade de denúncia em ambientes não preparados). É a definição de livro da discriminação positiva em ação.
- Conclusão: 🟢 Alternativa correta.
PASSO 5 – O GRAND FINALE (APRENDIZAGEM EXPANDIDA)
Frase de Fechamento: Confirmamos que a alternativa E é a correta. Este caso nos ensina que a verdadeira justiça, por vezes, não é tratar todos da mesma forma, mas dar a cada um as ferramentas de que precisa para ter, de fato, as mesmas oportunidades.
Resumo-flash (A Imagem Mental): A justiça não pode ser cega quando os competidores não partem da mesma linha de largada.
Para ir Além (A Ponte para o Futuro): O mesmo princípio de “discriminação positiva” é aplicado no campo da Acessibilidade Digital. Uma abordagem de “igualdade abstrata” seria criar um site e dizer que ele está “disponível para todos”. Uma abordagem de “igualdade material” (a correta) reconhece que pessoas com deficiências visuais, auditivas ou motoras enfrentam barreiras. Portanto, são implementadas medidas de “discriminação positiva”: texto alternativo para imagens (para leitores de tela), legendas em vídeos, navegação por teclado, etc. Essas ferramentas são um “tratamento diferenciado” que não beneficia quem não precisa delas, mas são essenciais para garantir que o acesso à informação seja verdadeiramente igualitário para todos.
