TEXTO I
O cinema constituía um encanto indefinível: além do entretenimento delicioso das vidas alheias por meio dos filmes, o pretexto amável para os encontros de olhos, para a mostra dos vestidos, para as tagarelices com as vizinhas de cadeiras.
SETTE, M. Anquinhas e bernardas. São Paulo: Livraria Martins, 1940 (adaptado).
TEXTO II
O pouco caso na seleção dos filmes para serem exibidos nos espetáculos diurnos tem sido causa de inúmeros dissabores sofridos pelos progenitores que levam os seus filhos ao cinema para recreá-los. Em toda parte, tanto nas casas de famílias como nos colégios, só se ouve a petizada falar em fitas, em artistas cinematográficos, nas proezas de William Hart ou nas façanhas de Mutt.
O cinema e a criança. Diário de Pernambuco. 29 ago. 1925 (adaptado).
Publicados na primeira metade do século XX, os textos apresentam
A) conclusões semelhantes sobre o mesmo suporte midiático.
B) argumentos contraditórios sobre o mesmo tipo de diversão.
C) discursos contraditórios sobre a mesma didática escolar.
D) regras teológicas acerca de um mesmo recurso pedagógico.
E) justificativas idênticas acerca de um mesmo aspecto cultural.
✍ Resolução Em Texto
- Matérias Necessárias para a Solução da Questão:
- Interpretação de Texto
- Análise Comparativa de Textos
- Linguística (Variação Diacrônica, Conotação)
- História Cultural (Impacto do Cinema no Início do Século XX)
- Tema/Objetivo Geral: Comparar duas visões sobre o impacto social e cultural do cinema, identificando a natureza da relação entre seus argumentos (concordância, contradição, etc.).
- Nível da Questão: Média.
- A questão se resolve pela identificação do tom — positivo ou negativo — de cada texto. O contraste entre as palavras-chave (“encanto indefinível” vs. “inúmeros dissabores”) é tão explícito que a natureza contraditória dos argumentos se torna evidente com uma leitura básica.
- Gabarito: B
- A alternativa está correta porque o Texto I apresenta o cinema com um tom extremamente positivo (“encanto”, “delicioso”), enquanto o Texto II o descreve com um tom negativo e preocupado (“pouco caso”, “dissabores”), configurando uma clara contradição de pontos de vista.
PASSO 1 – O QUE A QUESTÃO QUER? (O MAPA DA MINA)
Decodificação do Objetivo: Em bom português, a missão é: “Leia estes dois textos antigos sobre cinema. Um elogia e o outro critica? Os dois elogiam? Os dois criticam? Qual é a relação entre a opinião de um e a do outro?”
Simplificação Radical (A Analogia Central): Imagine que estamos lendo duas críticas sobre o mesmo filme. A Crítica 1 diz: “Uma obra-prima! Divertido, emocionante, imperdível!”. A Crítica 2 diz: “Um desastre! Problemático, inadequado para crianças, uma perda de tempo!”. A questão nos pede para definir a relação entre essas duas críticas. A resposta óbvia é que elas são contraditórias. Nossa tarefa é fazer essa mesma análise com os textos sobre o cinema.
Plano de Ataque (O Roteiro da Investigação):
- Analisar a Prova 1 (Texto I): Vamos abrir um dossiê para o Texto I e traçar seu perfil.
- Analisar a Prova 2 (Texto II): Faremos o mesmo com o Texto II em um dossiê separado.
- Comparar os Perfis: Vamos colocar os dois dossiês lado a lado e redigir um veredito sobre a relação entre eles.
- Realizar a Autópsia: Vamos analisar cada alternativa para ver qual delas descreve corretamente o nosso veredito.
PASSO 2 – DESVENDANDO AS FERRAMENTAS (A CAIXA DE FERRAMENTAS)
Para este caso, vamos abrir um Dossiê de Análise para cada texto, como se fossem duas testemunhas oculares do mesmo evento, o cinema.
DOSSIÊ DA TESTEMUNHA 1: Mário Sette (Texto I)
- Palavra-Chave do Depoimento: “Encanto”.
- Análise do Vocabulário: A testemunha usa termos de conotação altamente positiva: “encanto indefinível”, “entretenimento delicioso”, “pretexto amável”.
- Visão do Evento (Cinema): O cinema é descrito como uma experiência social completa e prazerosa. Não se trata apenas de ver o filme, mas de um ritual cultural que envolve encontros, exibição social (“mostra dos vestidos”) e interação comunitária (“tagarelices”).
- Veredito sobre a Testemunha: Apresenta uma visão positiva, nostálgica e celebratória do cinema.
DOSSIÊ DA TESTEMUNHA 2: Diário de Pernambuco (Texto II)
- Palavra-Chave do Depoimento: “Dissabores”.
- Análise do Vocabulário: A testemunha usa termos de conotação negativa: “pouco caso”, “inúmeros dissabores” (desprazeres, desgostos).
- Visão do Evento (Cinema): O cinema é descrito como uma fonte de problemas, especificamente para os pais (“progenitores”). O foco é a preocupação com a influência que os filmes (mal selecionados) exercem sobre as crianças (“a petizada”).
- Veredito sobre a Testemunha: Apresenta uma visão negativa, crítica e preocupada do cinema.
PASSO 3 – INTERPRETAÇÃO GUIADA (MÃO NA MASSA)
Agora, vamos colocar os dois dossiês sobre a mesa.
- O Dossiê 1 pinta o cinema como um paraíso social, um “encanto”.
- O Dossiê 2 pinta o cinema como uma dor de cabeça, uma fonte de “dissabores”.
A conclusão da nossa investigação é clara: as duas testemunhas presenciaram o mesmo fenômeno (o cinema), mas seus depoimentos são fundamentalmente opostos. Seus argumentos não se complementam; eles se chocam. A relação é de contradição.
🚨 ARMADILHA CLÁSSICA! 🚨
CUIDADO! O erro mais comum aqui seria uma leitura superficial que não capta o tom negativo do Texto II. Um candidato poderia focar na parte em que as crianças “falam em fitas” e pensar que isso é neutro ou até positivo. O erro é não perceber que o autor enquadra essa “febre” cinematográfica infantil no contexto de “dissabores sofridos pelos progenitores”, ou seja, como um problema. A chave é a palavra “dissabores”.
A Bússola (O Perfil do Culpado):
- Síntese do raciocínio: A investigação dos dossiês revelou dois pontos de vista opostos sobre o cinema. O Texto I o exalta como uma forma de entretenimento e socialização positiva. O Texto II o critica como uma fonte de problemas e má influência para as crianças.
- Expectativa: A alternativa correta deve apontar para a existência de argumentos contraditórios sobre o mesmo tema.
PASSO 4 – ALTERNATIVAS COMENTADAS (A AUTÓPSIA)
Vamos agora confrontar cada alternativa com as conclusões da nossa investigação.
- A) conclusões semelhantes sobre o mesmo suporte midiático.
- A “Narrativa do Erro”: O candidato não percebeu o tom negativo do Texto II.
- O “Diagnóstico do Erro”: Contradição Direta. As conclusões são opostas, não semelhantes. Um vê o cinema como um bem, o outro como um mal.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- B) argumentos contraditórios sobre o mesmo tipo de diversão.
- Análise de Correspondência: Esta alternativa é o retrato falado da nossa Bússola. Os textos falam sobre o mesmo “tipo de diversão” (o cinema) e apresentam visões e “argumentos contraditórios” sobre ele.
- Conclusão: 🟢 Alternativa correta.
- C) discursos contraditórios sobre a mesma didática escolar.
- A “Narrativa do Erro”: O candidato foca na menção a “colégios” e “criança” no Texto II e generaliza para o tema da educação.
- O “Diagnóstico do Erro”: Fuga ao Tema. O tema central não é a “didática escolar”, mas sim o cinema como forma de entretenimento e seu impacto social. A escola é mencionada apenas como um dos lugares onde se observa a influência do cinema.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- D) regras teológicas acerca de um mesmo recurso pedagógico.
- A “Narrativa do Erro”: Uma leitura completamente equivocada.
- O “Diagnóstico do Erro”: Fuga ao Tema (Múltipla). Os textos não falam de “regras teológicas” (religiosas) e não tratam o cinema primariamente como um “recurso pedagógico”.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
- E) justificativas idênticas acerca de um mesmo aspecto cultural.
- A “Narrativa do Erro”: O mesmo erro da alternativa A, mas com outras palavras.
- O “Diagnóstico do Erro”: Contradição Direta. As justificativas e avaliações são opostas, não idênticas.
- Conclusão: 🔴 Alternativa incorreta.
PASSO 5 – O GRAND FINALE (APRENDIZAGEM EXPANDIDA)
Frase de Fechamento: Confirmamos que a alternativa B é a correta. O caso demonstra como uma mesma inovação cultural — o cinema — pode ser recebida de maneiras radicalmente diferentes, sendo vista simultaneamente como um símbolo de modernidade e prazer por um lado, e como uma ameaça moral e pedagógica por outro.
Resumo-flash (A Imagem Mental): Para um texto, o cinema era um baile de máscaras encantador; para o outro, um beco escuro cheio de perigos para as crianças.
Para ir Além (A Ponte para o Futuro): O mesmo padrão de reações contraditórias a uma nova tecnologia de mídia se repete ciclicamente na história. Pense na chegada da internet e das redes sociais. Por um lado, elas são celebradas como o Texto I celebrava o cinema: uma ferramenta de “encontros”, de entretenimento, de conexão global e de expressão pessoal (“encanto indefinível”). Por outro lado, são criticadas exatamente como o Texto II criticava o cinema: uma fonte de “dissabores” para os pais, uma má influência para os jovens, um disseminador de conteúdos inadequados e um vício que afasta as crianças dos estudos. A discussão sobre o TikTok hoje é, em essência, a mesma discussão sobre “as fitas de William Hart” em 1925.
