Questão 92 caderno amarelo ENEM 2025 Dia 2

Disciplina:

Os sapinhos-ponta-de-flecha constituem um grupo de espécies encontradas na América Central e do Sul. Seus venenos são obtidos por meio do consumo de algumas formigas e cupins que se alimentam de plantas que contêm esses venenos. Esses anfíbios são usados para envenenar as flechas das zarabatanas dos caçadores nativos. Quando capturados e criados em condições artificiais, ou quando nascidos em cativeiro, não são tóxicos.

BADIO, B. et al. Epibatidine: Discovery and Definition as a Potent Analgesic and Nicotinic Agonist. Med. Chem. Res., n. 4, 1994 (adaptado).

A perda da capacidade de se obter a toxina nos nascidos em cativeiro é causada pela

A) diferença de umidade entre os ambientes.

B) ausência de alimentação natural.

C) adaptação ao novo ambiente.

D) mudança de comportamento.

E) variabilidade genética.

✍ Resolução Em Texto

Matérias Necessárias para a Solução da Questão:

  • Ecologia de Cadeias Tróficas
  • Biologia Evolutiva (Estratégias de Defesa Química)
  • Bioquímica (Conceito de Sequestro de Toxinas)

Tema/Objetivo Geral:
A questão exige a distinção fundamental entre uma característica fenotípica geneticamente determinada (inata) e uma plasticidade fenotípica induzida pelo ambiente — neste caso, uma defesa química adquirida através da dieta.

Nível da Questão: Médio

  • A questão é considerada de nível médio porque, para além da interpretação literal, exige que o candidato compreenda o conceito de características adquiridas e não se deixe enganar pela alternativa (D), que apresenta uma correlação lógica (mudança de comportamento no cativeiro) mas não a causalidade primária do fenômeno. A resolução correta depende de hierarquizar os eventos.

Gabarito: B

  • Esta alternativa está correta pois o texto estabelece que a toxicidade é um atributo exógeno, obtido através de um processo de sequestro de alcaloides da dieta. A interrupção desta cadeia trófica, ao remover a fonte alimentar específica, remove a matéria-prima da toxina.

PASSO 1 – O QUE A QUESTÃO QUER? (O MAPA DA MINA)

Decodificação do Objetivo: A missão aqui é atuar como um biólogo investigativo. Precisamos determinar o mecanismo fundamental que controla a toxicidade do sapo. A questão central é: o veneno é “Natureza” (uma característica codificada no DNA do sapo, como a capacidade de uma cobra produzir peçonha) ou “Nurture” (uma característica adquirida do ambiente, como um reflexo direto do que ele come)?

Simplificação Radical (A Analogia Central): Pense em um mestre ferreiro medieval cuja espada é lendária por ser indestrutível. O segredo não está apenas em sua habilidade, mas no fato de que ele é o único com acesso a uma mina que contém um meteorito com um metal raríssimo. Se você levar esse ferreiro para um novo reino, com as melhores forjas, mas apenas com minério de ferro comum, ele continuará sendo um mestre ferreiro (seu comportamento e habilidades estão intactos), mas ele não poderá mais forjar a espada lendária. Por quê? Porque a causa raiz da “magia” da espada não era ele, mas a matéria-prima a que ele tinha acesso. A questão é: por que o sapo perdeu sua “espada lendária” (o veneno)?

Plano de Ataque (O Roteiro da Investigação):

  • Deconstruir a cadeia causal: Mapear o fluxo exato da toxina desde sua origem até o sapo, conforme descrito no texto.
  • Formular hipóteses: Tratar cada alternativa como uma hipótese científica para explicar a perda da toxina.
  • Teste de Falsificação: Confrontar cada hipótese com a evidência explícita fornecida no texto (“Seus venenos são obtidos por meio do consumo…”).
  • Isolar a causa primária: Diferenciar o evento gatilho (a causa fundamental) de seus efeitos secundários ou correlacionais.

PASSO 2 – DESVENDANDO AS FERRAMENTAS (A CAIXA DE FERRAMENTAS)

Para uma análise aprofundada, precisamos de um framework conceitual mais poderoso do que a simples causa e efeito. Vamos usar o eixo “Natureza vs. Nurture” aplicado a estratégias de defesa.

Dossiê Comparativo: Estratégias de Defesa Química

Característica Defesa INATA (Natureza) Defesa ADQUIRIDA (Nurture)
Origem Endógena. Produzida pelo próprio organismo através de processos metabólicos codificados em seu DNA. Exógena. Obtida do ambiente, geralmente da alimentação.
Mecanismo Síntese Metabólica. Ex: Glândulas de veneno em cobras e aranhas. Sequestro Químico. O organismo consome a toxina e a armazena (geralmente em tecidos específicos como a pele) sem ser prejudicado por ela.
Custo Energético Alto. Produzir toxinas complexas gasta muita energia e recursos. Baixo. “Terceiriza” a produção da toxina para outro ser vivo, economizando energia.
Exemplo A peçonha de uma cascavel. O veneno do sapo-ponta-de-flecha. / A toxicidade da borboleta-monarca, que adquire toxinas de plantas na fase de lagarta.

O texto, ao usar o verbo “obter“, nos dá a pista crucial: estamos lidando com uma Defesa Adquirida via Sequestro Químico. O sapo evoluiu não para produzir veneno, mas para roubar e utilizar o veneno de suas presas.


PASSO 3 – INTERPRETAÇÃO GUIADA (MÃO NA MASSA)

Aplicando nosso framework: o texto coloca a toxicidade do sapo firmemente na coluna “Nurture”. O fluxo é: Planta → Inseto → Sapo. O cativeiro quebra a corrente no elo “Inseto → Sapo“. Sem a entrada da matéria-prima (insetos tóxicos), a “fábrica” de armazenamento de veneno do sapo fica vazia.

🚨 ARMADILHA CLÁSSICA! 🚨
A alternativa (D) “mudança de comportamento” é uma armadilha intelectual que testa sua capacidade de diferenciar correlação de causalidade. Vamos usar uma analogia médica: um paciente apresenta febre (sintoma 1) e delírios (sintoma 2) por causa de uma infecção bacteriana (a causa raiz). A mudança de comportamento do sapo (não caçar como na natureza) é como os delírios do paciente. A perda de veneno é como a febre. Ambos são sintomas/consequências da mesma causa raiz: a mudança drástica no ambiente (o cativeiro, a infecção). A causa fundamental da perda de veneno não é a mudança de comportamento; ambos são efeitos paralelos da remoção do estímulo ambiental original: a alimentação natural.

  • A Bússola (O Perfil do Culpado):
    • Síntese do raciocínio: O fenômeno é um caso de sequestro químico, uma característica dependente de fatores extrínsecos (dieta). A perda da característica deve-se à interrupção do fornecimento desse fator extrínseco.
    • Expectativa: A alternativa correta deve apontar para a interrupção da cadeia de bioacumulação, ou seja, a fonte de alimento.

PASSO 4 – ALTERNATIVAS COMENTADAS (A AUTÓPSIA)

  • A) diferença de umidade entre os ambientes.
    • Análise Conceitual: A umidade é um fator abiótico crítico para anfíbios, regulando a respiração cutânea e o balanço osmótico. Uma umidade inadequada levaria a estresse fisiológico ou morte, mas não há um mecanismo bioquímico conhecido que conecte a umidade do ar à síntese ou sequestro de alcaloides complexos.
    • O “Diagnóstico do Erro”: Fuga ao Tema. Apresenta um fator ecologicamente relevante para o animal, mas irrelevante para o mecanismo específico em questão.
    • Conclusão: ❌ Alternativa incorreta.
  • B) ausência de alimentação natural.
    • Análise de Correspondência: Esta é a causa primária. “Alimentação natural” é o vetor que transporta as toxinas das plantas para os sapos, via insetos. Sua ausência interrompe o processo de sequestro químico na sua origem, alinhando-se perfeitamente com a evidência do texto e nosso modelo teórico.
    • Conclusão: ✔️ Alternativa correta.
  • C) adaptação ao novo ambiente.
    • Análise Conceitual: Em biologia, “adaptação” é um termo preciso que descreve uma mudança evolutiva na frequência de genes em uma população ao longo de gerações. O que ocorre com um indivíduo em resposta ao ambiente é chamado de aclimatação ou plasticidade fenotípica.
    • O “Diagnóstico do Erro”: Imprecisão Terminológica. O sapo não se “adapta” geneticamente em uma única vida; ele simplesmente responde fisiologicamente à ausência de um componente químico em sua dieta.
    • Conclusão: ❌ Alternativa incorreta.
  • D) mudança de comportamento.
    • Análise Conceitual: A mudança de comportamento (de caçador ativo para receptor passivo de alimento) é uma consequência observável do cativeiro. Contudo, ela não é a variável que controla a bioquímica da toxicidade. Ela é um efeito colateral da mesma causa que provoca a perda de veneno: a alteração da dieta e do ambiente.
    • O “Diagnóstico do Erro”: Confundir Causa Primária com Efeito Secundário (ou Correlação com Causalidade). É a armadilha lógica mais sofisticada da questão.
    • Conclusão: ❌ Alternativa incorreta.
  • E) variabilidade genética.
    • Análise Conceitual: Variabilidade genética refere-se às diferenças no DNA entre os indivíduos. Se a toxicidade fosse geneticamente controlada, esperaríamos que, devido à variabilidade, alguns sapos pudessem produzir veneno e outros não. O texto implica que a perda de toxicidade em cativeiro é uma regra universal para a espécie, não uma característica variável.
    • O “Diagnóstico do Erro”: Contradição com a Premissa. Invoca um mecanismo populacional (genética) para explicar um fenômeno que o texto descreve como uma resposta individual e consistente (fisiologia).
    • Conclusão: ❌ Alternativa incorreta.

5️⃣ PASSO 5 – O GRAND FINALE (APRENDIZAGEM EXPANDIDA)

Frase de Fechamento: A resposta correta é ausência de alimentação natural, pois a toxicidade do sapo-ponta-de-flecha é um exemplo fascinante de defesa por sequestro químico, uma característica totalmente dependente da matéria-prima obtida na dieta.

Resumo-flash (A Imagem Mental): O veneno do sapo não está em seu código genético, mas em seu cardápio.

🧠 Para ir Além (A Ponte para o Futuro): Este princípio de “você é o que você come” atinge um nível ainda mais extremo no mundo marinho. O molusco nudibrânquio Glaucus atlanticus (Dragão-azul) se alimenta de águas-vivas venenosas, como a Caravela-portuguesa. Ele não apenas é imune ao veneno, como também “rouba” as células urticantes (nematocistos) da água-viva, as armazena em seus próprios tecidos e as utiliza para sua própria defesa. Isso conecta a estratégia do sapo na floresta tropical a um caso de “cleptoparasitismo” celular nos oceanos, mostrando como a evolução encontra soluções engenhosas e econômicas para o desafio da sobrevivência.

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